Com os níveis de inflação elevados a maioria das carteiras de investimento tiveram seus retornos afetados, poucas obtiveram sucesso em 2021. A 2INVESTE realizou um levantamento exclusivo para o Valor Econômico sobre os fundos multimercados e suas variações ao longo do ano. Veja a matéria na íntegra e, no final, faça o download do material completo.
Retorno de multimercado ‘macro’ tem expressiva variação no ano
Por Adriana Cotias para Valor Econômico
Num ano em que os ativos brasileiros chacoalharam e juros e inflação subiram, os multimercados macro, que pautam suas alocações com base em cenários econômicos, mostraram resultados bastante dispersos. De uma amostra com cerca de quatro dezenas de fundos, elaborado pela 2Investe, com base em dados da Quantum Axis, 14 carteiras rodavam no negativo no ano, até o último dia 20, incluindo nomes que são referência na gestão de recursos de terceiros, como Adam Capital, Verde Asset ou Safra. Do pior desempenho para o melhor nessa lista aparece o multimercado da Novus, com desvalorização de 29,9%, até ganhos de 24,6% do portfólio da Vista Capital.
Considerando esse período, 17 carteiras ficaram acima do CDI. Quando se alonga o horizonte de avaliação, cerca de 60% dos portfólios superam o referencial em prazos de 24, 36, 48 e 60 meses.
Em uma amostra com cerca de 4 dezenas de fundos, resultados no ano vão de queda de 29,9% a ganho de 25%. Confira:
A inflação mostra-se uma vilã de primeira ordem, com apenas três fundos assegurando ganhos reais neste ano, caso do Vista, e as duas estratégias macro da SPX (Nimitz e Raptor), e com o da Clave Capital praticamente empatando com o IPCA. Em 24 meses, nove ficam acima do indexador. Em intervalos maiores, o efeito inflacionário se dilui e um número maior de portfólios consegue preservar o poder de compra do investidor.
“Foi um ano pesado, mas que mostrou a beleza dos multimercados [macro], que têm mandato flexível, pois essa é uma maratona que nunca acaba, por mais que se apegue ao ano-calendário”, resume Rubens Henriques, CEO da Clave Capital. “Foi mais difícil, com volatilidade, sem direção. Por mais que não entendesse no primeiro momento, a gente teve oportunidade de revisar o cenário e pegar as tendências.”
O multimercado da casa obteve ganhos em diferentes vencimentos nos contratos de juros no Brasil. Segundo Henriques, as posições maturaram e contribuíram para o resultado do fundo até a penúltima semana do ano. A carteira passou a maior parte do ano com apostas na alta de juros, e mais recentemente adotou um viés pró-baixa das taxas futuras.
“A gente achava que os níveis de juros no Brasil ficaram muito baixos perto do que potencialmente o cenário inflacionário apontava, virou um estresse grande do mercado, e agora tenta entender se não há um certo exagero nos preços em relação ao que o BC tem que realizar [de alta da Selic]”, diz. Lá fora, segundo Henriques, está mais claro que a reação da política monetária está atrasada para conter efeitos inflacionários. O fundo expressa isso em estratégias ligadas a juros nominais e reais nos Estados Unidos e na Europa. Outra preocupação é com o desdobramento da ômicron e outras variantes do coronavírus.
No Brasil, a percepção dentro da Clave é que o BC fez um grande choque de juros, que vai levar a um PIB potencialmente negativo, mas ainda é preciso acompanhar como a inflação e a atividade se comportam. O fundo está “ligeiramente” comprado em bolsa, mas tem preferido outras classes de ativos para expressar suas ideias.
Em períodos maiores, o efeito inflacionário se dilui e mais portfólios conseguem preservar o poder de compra
A SPX conseguiu extrair retorno das 15 estratégias que roda nos multimercados macro, com ganhos em bolsa, commodities, juros e moedas, afirma o sócio-gestor Bruno Marangoni. Ele cita que esse qualitativo é essencial para que a gestora não dependa de figuras mais conhecidas da casa, como os fundadores Rogério Xavier e Bruno Pandolfi. “Desde que passsamos a ter escritório em Londres, e mais recentemente em Nova York, o risco é proporcionalmente mais alto no mercado internacional do que no Brasil”, afirma o executivo.
Hoje, dois terços da alocação está no exterior. Não que não goste de operar Brasil, prossegue Marangoni, a SPX quer ganhar dinheiro em todas as partes do mundo, mas quando passa a ter uma estrutura internacional, mais diversificadas são as fontes de resultados, diz. “Várias gestoras têm buscado isso. A questão é como a relação risco ‘ex-ante’ [avaliação prévia] se transforma em retorno. As sementes que a gente plantou, estão dando frutos nos dois últimos anos e começou a ver retornos produzidos na proporção coerente com o risco tomado.”
Ao longo do ano, a exposição em bolsas americanas e em estratégias que previam alta de juros em países emergentes e semi-desenvolvidos, como no Leste Europeu, bem como a tese de dólar forte contribuíram para o desempenho dos multimercados. Outro ganho foi extraído da alta do petróleo. No Brasil, a SPX atuou na venda de bolsa e operações mais tática no mercado de juros e de inflação.
Olhando para frente, a gestão ainda confia na valorização do dólar e agora as alocações em aumento de juros estão concentradas nas economias desenvolvidas. Em bolsas, o posicionamento passou a ser neutro. O Brasil, a despeito de toda depreciação, não está nenhuma “barganha”, afirma Marangoni. “Os preços refletem os fundamentos ruins, a política econômica sem muito rumo e o risco eleitoral, falta clareza ao fiscal”, avalia.
Com críticas conhecidas à atuação do BC, por ter levado a Selic para baixo demais, ao colocar a taxa básica em 2% ao ano, a percepção agora dentro da SPX é que a autoridade monetária pode exagerar na dose para cima, enfraquecendo a economia além do necessário. A inflação ainda vai ser um desafio para 2022 e 2023, cita o gestor.
A característica de fazer alocação ativa em ciclos de política monetária proporcionou mais um ano positivo para o multimercado macro da Ibiuna. Segundo Caio Santos, sócio-responsável pela área de relações com investidores, a habilidade de antecipar movimentos dos bancos centrais da equipe – que inclui os ex-BCs Mario Torós e Rodrigo Azevedo – proporcionou bons resultados nos mercados que a asset acompanha, seja na América Latina, Leste Europeu, África do Sul e outras regiões.
Os maiores geradores de alfa foram alocações no Chile, Polônia, nos Treasuries americanos e no S&P 500, lista Santos. Houve muito pouco de Brasil na carteira, com posicionamento na inflação implícita, sob a leitura de que o IPCA ia surpreender e que o BC seria obrigado a subir os juros de forma mais incisiva. Em dólar/real e Ibovespa, os movimentos foram muito táticos.
Para 2022, Santos afirma ser mais fácil vislumbrar movimentos de política monetária lá fora do que oportunidades no Brasil, em que uma série de fatores, a começar pela eleição presidencial, pressupõem muita volatilidade e pouco resultado. “Pode até ser que ao longo do tempo fique mais favorável, mas, por enquanto, a melhor relação risco/retorno parece estar nos Estados Unidos, até nos juros curtos, e em emergentes selecionados.”
Num 2021 sem uma tendência clara e com mudanças de rota em intervalos relativamente curtos não foi fácil navegar, diz Ricardo Denadai, CEO e economista-chefe da Ace Capital. “Não foi um ano em que se montou carteira, carregou e isso funcionou. Exigiu muito do gestor, foi preciso ter flexibilidade e agilidade para buscar movimentos e fugir das armadilhas em janelas mais curtas.”
A variante ômicron do coronavírus, com novas políticas restritivas de circulação, deu uma embaralhada no cenário e posições que vinham dando frutos pararam de funcionar, diz Fabricio Tascheto, executivo-chefe de investimentos da Ace. O multimercado estava comprado em bolsas locais e internacionais, e como hedge tinha estratégias que previam alta de juros em emergentes e da inflação no Brasil.
“O petróleo caiu uns 15% do ‘high’ [pico], dando alívio para a inflação e isso acabou fazendo com que o hedge não funcionasse, e ao mesmo tempo as bolsas realizassem [lucros] nos últimos 30 dias”, diz Tascheto.
Ao longo do ano, a gestão do fundo, um dos que estão acima do CDI neste ano, variou muito entre preferências locais e externas. Para 2022, Tascheto acha que a ômicron vai ser superada como elemento de risco. Localmente, a eleição é outro ingrediente de incerteza.
O gestor diz ainda ter posições construtivas nos mercados acionários, mas, por ora, dá um peso maior à alocação no exterior. Está de olho, contudo, a qualquer gatilho que possa mudar o ânimo dos investidores, como uma postura mais pragmática da esquerda na campanha eleitoral. “Eu diria que o risco de cauda é um Lula mais raivoso. Se isso sai da mesa, o mercado vai gostar, até porque o Brasil teve os preços dos ativos muito depreciados em relação ao que se viu lá fora.”
Nessa hipótese, Tascheto vê espaço para ganhos na bolsa, no real e até nos juros se a inflação for domada. Lá fora, ele avalia que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) foi mais rápido do que imaginava e acabou reagindo pela pressão política. O cenário-base da Ace é que resolvidas questões relativas à cadeia de suprimentos, a inflação arrefece. Ele acha que as três altas de juros que o banco central americano sinaliza para 2022 serão mais do que suficientes para segurar as expectativas de inflação, e que talvez nem tenha que fazer todo o ajuste prometido.
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Autora: Adriana Cotia: Repórter do Valor Econômico
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Sistema de Dados e Informações Financeiras:2INVESTE
- Fonte:Valor Econômico publicado em 29/12/2021